segunda-feira, 23 de setembro de 2013

VIAGEM AOS SABORES DE GOIÁS

Estive em Goiânia-GO neste final de semana e tive a oportunidade de fazer uma imersão aos sabores do Cerrado. Mais do que isso, tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, que me ensinaram, com seu jeito simples, muito mais do que receitas e temperos. Com extrema generosidade, me ensinaram, mesmo sem saber que estavam fazendo isso, que o maior segredo da comida goiana não esta só nos ingredientes regionais, mas na forma de fazer, no carinho, no ato de compartilhar, na atenção aos detalhes e em cada segredinho passado, carregado de história e tradição.

O sabor goiano está no dividir, na tradição da mesa posta e farta, compartilhada com a família e os amigos, e na satisfação de ver todos felizes e satisfeitos. Os elogios inevitáveis são consequência dessa experiência completa, de fazermos juntos e para os outros, numa doação incondicional de amor, como se estivéssemos massageando delicadamente o coração de cada um, com as nossas próprias mãos.

Não posso deixar de agradecer e homenagear aqui, três mulheres fantásticas que me proporcionaram esta experiência maravilhosa, que irei incorporar não só na minha culinária, como também na minha vida como um todo. Elas foram muito mais do que professoras, na sua sabedoria adquirida pela vida, foram exemplos de generosidade, de amor pelo que fazem e pelo outro, dedicação, desprendimento e amizade. Muito obrigado Dona Vilma, Dona Divina e Rosangela, vou levar pra sempre comigo o carinho e os ensinamentos que vocês me deram.

Sobre os ingredientes e pratos que tivemos a oportunidade de fazer, temos:

  • Linguiça suína feita artesanalmente, com temperinho goiano. Desse ingrediente foram feitos: linguiça grelhada, linguiça com cará e arroz com linguiça, tudo maravilhoso;

  • Guariroba (ou gueroba, como as vezes o chamam) que é uma espécie de palmito da palmeira de mesmo nome, que tem um gosto levemente amargo, justificando seu nome de origem tupi que significa “indivíduo amargo”. Se comido ao natural é muito amargo, mas se feito o processo correto de preparo, o amargor é quase imperceptível. Dele fizemos salada, um Arroz com Guariroba e uma conserva;



  • Pequi, fruto tipicamente goiano, muito perfumado, de polpa macia e saborosa. Entretanto, ele tem uma particularidade muito importante, deve ser comido com bastante cuidado, uma vez que sua polpa recobre uma camada de finos espinhos que, se mordidos, fincam-se na língua e no céu da boca, provocando graves ferimentos. Portanto, ele deve ser comido com as mãos mesmo, sem talheres. Quando levado a boca deve-se “roer o fruto”, isto é, raspá-lo cuidadosamente com os dentes, até que a parte amarela comece a ficar esbranquiçada e parar antes que os espinhos possam ser vistos. Desse fruto, fizemos somente o “Molho”, como é chamado o prato. Na verdade ele é refogado e cozido inteiro, e conforme seu cozimento se aproxima do ideal, ele vai engrossando o caldo, deixando-o um molho encorpado. Foi servido como guarnição;




  • Também fizemos uma Galinhada Goiana fantástica, saladinhas e, pra fechar com chave de ouro, eu e meu amigo Frank, que me “intimou” a conhecer a culinária goiana e agradeço muito à ele por isso, fizemos um Escondidinho de Batata Salsa (é o nome que eles dão à mandioquinha) com Carne de Sol (feita artesanalmente em uma casa de carnes da região). Ficou ótimo, o pessoal todo elogiou;

Um ponto alto da visita à Goiânia foi conhecer a Panelinha, um prato típico da região. Me falaram demais dessa Panelinha, que tem em todo canto de Goiânia e que existem de vários tipos, mas a melhor era de um Bar-restaurante chamado 1008. Realmente, não exageraram nem um pouco na propaganda. É danado de bom, ou como eles gostam de falar: “Pense num negócio bão?”. Aliás, exagero são as porções do lugar, só vendo. Pra ter uma ideia estávamos em 9, pedimos uma Panelinha e uma Carne de Sol, todos comeram e repetiram e ainda levamos pra casa duas “quentinhas” enormes. Não é à toa que a casa vive cheia. A comida é excelente e farta e a cerveja geladíssima. Levo comigo uma ótima experiência desse lugar.

Outro coisa muito interessante é que você pode conhecer os sabores das frutas do Cerrado através do sorvete, nada mais coerente, pra um lugar em que as temperaturas giram acima dos 30°C. Visitamos algumas vezes o “Frutos do Brasil”, uma sorveteria que tem sabores inusitados, além dos tradicionais. São frutos como: araça, araticum, brejaúba, buriti, cagaita, gabiroba, jatobá, mamacadela, mangaba, murici, mutamba, pequi, seriguela, tamarindo, umbu, só pra citar algumas. É muita diversidade.

Mais uma vez, obrigado Frank, Dona Vilma, Divina, Rosangela e todos que me receberam com tanto carinho e generosidade. Enfim, foi uma experiência singular, que eu gostaria de compartilhar e deixar registrado aqui. Aliás, como já disse, o compartilhar e o estar junto em volta do fogão, ou de uma mesa, é a essência de uma culinária simples, mas de muitos sabores. Essa generosidade de dividir o saber, o viver e o conviver é o melhor tempero dessa “Comida Caipira Goiana” e potencializa o sabor do que é servido no prato. “Pense num negócio bão?”!

domingo, 18 de agosto de 2013

AULA DE GASTRONOMIA BRASILEIRA NOS MERCADOS DA LAPA E PENHA

Por Edson Gallo

A docência é uma atividade gratificante para mim. Poder compartilhar conhecimento, experiências, sejam positivas ou negativas, pontos de vista, sempre me trouxeram enorme satisfação, principalmente quando tenho oportunidade de falar sobre algo que tenho paixão, a Gastronomia Brasileira. E o melhor de tudo é que, ao longo do processo, acabamos aprendendo muito também e fazendo bons amigos. É uma relação contínua de troca, em que damos um pouco de nós, na forma de conhecimento, e recebemos carinho, brilho nos olhos e, por não, conhecimento de volta.

Nos dias 14 e 15 passados, tive a oportunidade de falar sobre Gastronomia Brasileira, nos cursos abertos dos Mercados Municipais da Lapa e Penha, respectivamente. Foi muito bom passar uma tarde agradável com os alunos do curso, falando de história, técnicas, receitas e mostrando como um prato simples da nossa culinária pode ganhar status de requinte, com uma apresentação bem cuidada.

A seguir disponibilizo algumas fotos dos eventos e o texto da apostila, com as receitas...

Bom proveito!


MERCADO DA LAPA - ANIVERSÁRIO DE 59 ANOS

  

  
  


 Galinhada

 Dueto de Escondidinho de Carne Seca
  
Cartola


MERCADO DA PENHA - QUINTA-FEIRA (15/08)

  

 Galinhada

 Dueto de Escondidinho com Carne Seca

 Cartola


TEXTO DA AULA

GALINHADA

A origem desse prato é carregada de controvérsias. Muitos estados requerem sua origem, ou têm sua própria versão de Galinhada, cada qual com suas características particulares e a introdução de ingredientes peculiares da sua região, mas em todos os casos, os ingredientes básicos são: galinha e arroz. O certo é que as primeiras galinhas chegaram ao Brasil em 1532, trazidas por Martim Afonso de Souza para a Capitania de São Vicente. Os portugueses à muito já faziam uso da galinha, bem como de seus ovos, em vários pratos da sua culinária e introduziram seu consumo no Brasil.

Com os movimentos das missões jesuítas e das entradas para o interior pelos bandeirantes, em busca de riquezas, foi-se disseminando novos hábitos, associados aos costumes indígenas, novas vilas foram se formando, no que é hoje o estado de São Paulo, e novos pratos foram surgindo dessa miscigenação.

Mais tarde, primeiro pelas mãos dos bandeirantes que desbravaram as terras e encontraram o ouro que tanto procuravam, depois pelos inúmeros tropeiros, vindos principalmente de São Paulo, na corrida pelo ouro das minas, onde hoje é o estado, não à toa, chamado de Minas Gerais.

A herança cultural e culinária paulista foi rapidamente incorporada às vilas mineiras, que foram se formando entorno da exploração dos minérios, e muitos pratos estão presentes nas duas culturas, entre eles a galinhada, tão presente no interior paulista, mas que ganha sobrenome em Minas (galinhada mineira), o mesmo ocorrendo em Goiás (galinhada goiana).

Mas a galinhada também esta presente fortemente no nordeste, segundo local em que se introduziu a criação de animais para subsistência (entre eles a galinha), devido ao grande desenvolvimento das lavouras de cana-de-açúcar e implantação dos engenhos, que sustentou por muito tempo a economia do Brasil-colônia e que favoreceu o crescimento da região. Com a notícia da descoberta das minas de ouro, muitos sertanejos nordestinos se embrenharam para o interior, em direção a região das minas, em busca do eldorado mineiro, influenciando também a cultura e costumes culinários do local.

Portanto, a galinhada é um patrimônio da cultura culinária brasileira, não importando se ela nasceu nas missões jesuítas, ou com os desbravadores bandeirantes que abriram caminhos no interior do país, ampliando as fronteiras brasileiras, ou ainda com os expedicionários tropeiros que se aventuravam por caminhos sinuosos, levando e trazendo riquezas da época, ou por último, com os sertanejos nordestinos que se embrenharam mata adentro em busca de uma vida melhor nas minas de ouro.

Enfim, o que fica dessa história toda é que um prato simples, mas extremamente saboroso, da nossa culinária, que atravessou os séculos e ganhou várias versões por todo Brasil, ainda mostra muito fôlego e ganhou notoriedade nas mãos de um dos nossos maiores nomes da gastronomia brasileira, Alex Atala. Ele fez da galinhada um evento das madrugadas de sábado no seu restaurante Dalva e Dito, nos Jardins, e um acontecimento de grande repercussão dentro do evento Virada Cultural de 2012, onde milhares de pessoas se aglomeraram no Elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, no Centro de São Paulo, em busca de uma das porções dessa iguaria.

Ingredientes

2 kg Frango à passarinho
3 xic Arroz
3 und Cebola
5 und Alho
30 g Açafrão da terra (cúrcuma)
1 lata Milho verde
2 und Caldo de galinha
2 unid Louro
½ mç Cheiro-verde (salsa e cebolinha)
¼ mç Coentro
¼ mç Tomilho
1 unid Limão
1 unid Pimenta dedo-de-moça
1 unid Pimentão Verde
1 unid Pimentão Vermelho
1 lata Milho Verde
Azeite suficiente para fritar/refogar
Sal e Pimenta do Reino à gosto

Acompanhamentos

250 g Quiabo
½ mç Couve-manteiga
60g Farinha de Mandioca ou Farinha D'água

Modo de preparar:

1. Temperar o frango com limão, sal, pimenta do reino, tomilho e 2 dentes de alho. Deixar o frango no tempero por, no mínimo, 1 hora;
2. Numa panela, colocar 2 litros de água e o caldo de galinha. Deixar ferver e baixar o fogo;
3. Numa panela grande, aquecer o azeite de oliva para dourar a cebola e o alho. Adicionar a pimenta, coentro e louro, e depois os pedaços do frango. Deixar dourar por todos os lados.
4. Feito isso, cobrir com o caldo de galinha e deixar cozinhar por uns 20 minutos;
5. Retirar 3 conchas do caldo do cozimento e reservar;
6. Juntar o arroz, o açafrão e o restante do caldo de galinha (se não for suficiente, adicionar mais água, para cobrir os ingredientes) e deixar cozinhar;
7. No meio do cozimento, acrescentar os pimentões em cubos e o milho;
8. Quando o arroz e o frango estiverem cozidos, adicionar a salsa e cebolinha e desligar o fogo;
9. Fazer um pirão com o caldo do cozimento reservado e a farinha de mandioca; Refogar o quiabo e refogar a couve-manteiga, com alho e azeite e sal;
10. Montar o prato e servir.


ESCONDIDINHO DE CARNE SECA

Escondidinho é um prato bastante popular nos estados brasileiros do Nordeste e Minas. A ideia é simples: uma deliciosa surpresa escondida dentro de um recheio. Com essa receita, o prato ficou conhecido no Brasil como “escondidinho”. Sua origem, no entanto, é um tanto quanto controversa. Alguns acreditam que a receita tenha sido criada em Pernambuco, para outros, o prato tem origem portuguesa, já que foram os lusitanos que trouxeram ao país a técnica para salga e dessalga da carne seca.

É feito originalmente com carne-seca, ou carne-de-sol, mas têm variações com outros recheios, como carne moída, frango desfiado, entre outros, temperada com manteiga de garrafa, coberto com purê de macaxeira (mandioca, ou aipim, dependo da região) e gratinada e com queijo de coalho.

Ingredientes

1kg Mandioca cozida;
500g Carne-seca;
250ml Leite integral;
100g Manteiga sem sal;
350g Requeijão cremoso;
2unid Cebola-roxa em rodelas finas;
50g Manteiga-de-garrafa;
100g Queijo-de-coalho ralado;
Sal e pimenta branca à gosto.

Modo de preparo

1. Amasse a mandioca com um espremedor de batatas e retire os talos; 
2. Junte o leite aos poucos até ter um purê firme; 
3. Finalize com a manteiga, pimenta branca e o sal. Reserve; 
4. Puxe a carne-seca com a manteiga-de-garrafa e a cebola roxa. Reserve.

Montagem e Finalização

1. Espalhe uma camada fina de purê no fundo de uma assadeira; 
2. Distribua o recheio de carne-seca uniformemente; 
3. Cubra com o requeijão e por cima o restante do purê; 
4. Finalize com o queijo-de-coalho ralado e asse a 200º até dourar.


CARTOLA

Doce brasileiro, típico de Pernambuco, tem origem nas casas-grandes dos engenhos. Pela Lei 13.751, de Abril de 2009, foi reconhecido como Patrimônio Imaterial de Pernambuco.

O cartola tem um valor simbólico e uma carga histórica muito rica. Composto de banana, açúcar, canela e queijo manteiga, traz em si uma síntese da sociedade colonial no século XVI, representando a união de raças e a dinâmica econômica desse período.
Primeiro, quase que toda mão-de-obra estava voltada para a produção do açúcar, ficando pouco recursos humanos para se dedicar a lavoura de subsistência.
Mas o principal era a falta de hábito das senhoras portuguesas com os novos ingredientes, que os trópico ofereciam, tendo elas que abdicarem de costumes alimentares fortes.
As cozinhas eram desacopladas das Casas-Grandes, em puxados construídos longe dos quartos e salas, hábitos copiados dos escravos e índios, também tiveram que aposentar os fogões e chaminés de estilo Francês, utilizando novos métodos de assar por moquém tipo de grelha confeccionada com paus.
Apesar de haver abundância de árvores frutíferas, não era de costume consumir frutas frescas, então a solução era mergulhar as frutas no açúcar, para a sua conservação.
Acredita-se que venha desse jeito de conservar as frutas que tenha surgido um dos ingredientes do cartola (a banana açucarada), as senhoras tentavam adicionar alguns elementos da sua culinária tal como a canela, para satisfazer os paladares saudosos do velho continente.
Finalmente o queijo manteiga, já conhecido dos africanos que era largamente utilizada nas cozinha coloniais, era produzido no sertão, tem alguns autores que dizem, com toda razão, que a culinária nordestina é o “encontro do sertão com o mar”.
Não se sabe precisamente, aonde o cartola foi criado e nem sua autoria, ele nos chega aos dias de hoje, com seu sabor carregado de história e se mantém intacto tal como foi concebido, sendo testemunha viva do modo vida dos que habitavam o Brasil, nos primeiros tempos da colonização portuguesa.

Ingredientes

Bananas nanicas cortadas ao meio, no sentido do comprimento;
Queijo de coalho, ou manteiga, em fatias de 1,5 cm de espessura;
Açúcar e canela em pó misturados a gosto;
Manteiga para fritar as bananas.


Modo de preparo
1. Numa frigideira frite as fatias de bananas na manteiga, deixe ficar bem douradas e molinhas; 
2. Coloque em seguida no prato em que vai servir; 
3. Derreta as fatias de queijo e ponha por cima das bananas; 
4. Polvilhe com a mistura de açúcar e canela, sirva em seguida.

sábado, 17 de agosto de 2013

TURISMO GASTRONÔMICO EM SILVEIRAS - RESTAURANTE DO OCÍLIO

Por Edson Gallo

Que a Gastronomia é um componente importante da cultura de qualquer povo, participando da sua identidade, isso ninguém pode negar. Mas ainda há muito a fazer quando inserimos a Gastronomia como produto turístico.

A atração turística cultural já é reconhecida pela Organização Mundial do Turismo, quando distingue os recursos como meios humanos, energéticos e materiais que uma coletividade dispõe, ou pode dispor. Tais recursos (incluindo a Gastronomia) são considerados recursos turísticos a partir do momento em que são capazes de atrair turistas tornando possível a atividade turística. Assim sendo, o Turismo Gastronômico, entra como mais um produto, ou ainda, como um diferencial na oferta turística de um destino.

É muito comum na Europa viajar quilômetros para ir a um bom restaurante, ou ainda, visitar algum destino turístico para apreciar suas iguarias típicas. Este é o caso, por exemplo, do El Bulli, localizado em Roses, na Costa Brava espanhola, à 150 quilômetros de Barcelona, famoso restaurante de Ferran Adriá, eleito por cinco vezes o melhor do mundo, mas que encerrou suas atividades em 2011 e se transformou numa fundação, atraía inúmeras pessoas de vários cantos da Espanha e até do mundo, que viajavam para apreciar a arte do chef catalão. Este é só um exemplo de inúmeros outros que existem pela Europa e que fazem sucesso, porque o povo de lá viaja atrás de boa comida e bom vinho.

Já no Brasil, o Turismo Gastronômico é insipiente, mas tem potencial. É certo também que temos nossas dificuldades: nosso povo não é muito adepto a viajar quilômetros somente para ir à um restaurante, também não se sente muito encorajado de fazer isso pelo custo-Brasil, isto é, combustível caro, cobranças excessivas de pedágios em algumas estradas e péssimas condições em outras, sem dizer do tamanho continental de nosso país. Tudo isso não colabora muito e torna a experiência, no mínimo, muito cansativa. Mas muito se pode fazer e torna o Turismo Gastronômico numa alternativa interessante para algumas regiões, inserindo-as como destinos turísticos, gerando empregos e renda para essas regiões. O exemplo a seguir mostra que isso é possível de ser alcançado.





No domingo, dia 04, eu, o Adonay Donley e Peter Takagi, todos do QUARTETO Gastronomia Brasileira (só faltou o Gustavo Oliver, que não pode ir porque estava trabalhando no Esquina Mocotó) e nossa amiga Cris Bravim, estivemos no Restaurante do Seu Ocílio Ferraz (http://www.restaurante.ocilioferraz.com), em Silveiras, interior de São Paulo (pouco mais de 200 quilômetros da capital), cidade de grande valor histórico, encostada na Serra da Bocaina, que nasceu, ganhou fama e importância em torno dos tropeiros, que a incluíram na trilha do ouro para Minas Gerais. Silveiras também foi palco de batalhas sangrentas em duas revoluções: Liberal de 1842 e Constitucionalista de 1932.






Seu Ocílio Ferraz (http://www.blog.ocilioferraz.com), além de grande anfitrião, é sociólogo, professor, culinarista, escritor, pesquisador, empreendedor e membro da Academia Brasileira de Gastronomia, simplesmente uma figura de muitas facetas. Ele tem importância fundamental para a cidade, através dos seus trabalhos de pesquisa, sua obra literária (com uma coleção na Biblioteca do Congresso Norte Americano), seu esforço na divulgação da cultura e culinária tropeira e de uma iguaria singular da região, a Iça (formiga tanajura, fêmea da saúva,) muito utilizada na alimentação pelos índios, que ali habitaram, e depois passado aos bandeirantes e tropeiros, virou ingrediente típico da Comida Caipira e Tropeira, referenciada por escritores como Monteiro Lobato e Maurício de Sousa, e utilizada por chefs importantes da Gastronomia Brasileira, como a Chef Mara Sales (Tordesilhas) e o próprio Ocílio Ferraz, em seu restaurante. Aliás, seu restaurante serve uma comida típica tropeira maravilhosa, onde a famosa Farofa de Iça é apenas uma das delícias servidas no local.





O local ainda conta com uma Cozinha Pedagógica, onde pode-se aprender a Culinária Tropeira e Regional, uma Biblioteca, onde funciona o núcleo de pesquisas acadêmicas, um Espaço Cultural “Rancho do Ventura”, que funciona como sala de aula, onde tem as Ocas, além de uma bela horta, de onde se colhe os legumes e verduras utilizados no restaurante.





Vejam que, embora tivéssemos tido todos aqueles inconvenientes citados anteriormente (combustível, pedágios, estradas, cansaço, etc.), foi uma experiência maravilhosa de conhecimento, boa comida, bom clima, boa prosa, boa música, tudo num único lugar, o restaurante, sem que tivéssemos visitado as outras atrações turísticas da cidade (isso fica para uma próxima oportunidade).

Este comportamento do Seu Ocílio, de divulgação da cultura da região, da sua história, dos seus atrativos, apoiado pela comunidade, trás benefícios não só para ele, mas para a cidade como um todo, além de nos presentear com uma comida saborosa de raiz, feita em fogão de lenha.

A missão do QUARTETO Gastronomia Brasileira é essa, de pesquisa e divulgação da nossa culinária regional brasileira, seja através de nossas publicações, ou dos nossos eventos, inserida em nossos cardápios, nos trabalhos de pesquisa, nas aulas e palestras, enfim, em tudo que se possa expressar esse orgulho da nossa terra.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A INFLUÊNCIA AFRICANA NA CULINÁRIA BRASILEIRA

Por Edson Gallo

Formação da Culinária Brasileira

A nossa cultura – nossas crenças, tabus, religião, entre outros fatores – influencia diretamente a escolha dos nossos alimentos diários. Desse modo, a alimentação humana parece estar muito mais vinculada a fatores espirituais e exigências tradicionais do que às próprias necessidades fisiológicos.

A cozinha brasileira tem por base a cozinha portuguesa, com outras duas grandes influências: a indígena e a africana. Mas houve inúmeras variações, desde os ingredientes a nomes e combinações, como pode ser visto, por exemplo, no caso do cozido, que em Portugal é riquíssimo em derivados de porco e, no Brasil, farto em legumes e carne de vaca.

A alimentação sempre esteve e ainda está bastante relacionada à história dos diferentes povos. Assim, para se caracterizar e compreender as origens de nossos hábitos alimentares, é preciso recordar o passado, os costumes indígenas, a colonização, os efeitos da escravidão e a evolução da sociedade como um todo até se chegar ao período atual.


Contribuição Africana

Antes dos escravos africanos chegarem ao Brasil, eles já haviam recebido uma espécie de “curso prévio de alimentação local” . Tinham comido o milho americano, farinha de mandioca, aipim e diferentes tipos de feijões, além de tomarem cachaça, em vez do vinho da palmeira dendê. O escravo era apresentado aos gêneros brasileiros antes mesmo de deixar a África, recebendo uma ração de feijão, milho, aipim, farinha de mandioca e peixes para a travessia. A base da alimentação escrava não variava de acordo com a função que fosse exercer, quer fosse nos engenhos, nas minas ou na venda. Essa base era a farinha de mandioca. Ela variava mais em função de seu trabalho ser urbano ou rural e de seu proprietário ser rico ou pobre.

Os portugueses distribuíram diversas espécies de alimentos com surpreendente eficiência. De suas mais distantes colônias orientais e africanas trouxeram para o Brasil sementes, raízes, “mudas” e bulbos. A disseminação da mandioca, do milho, da batata e do amendoim brasileiros tiveram uma intensidade, rapidez e precisão incomparáveis. O café, o açúcar, o cacau e o fumo também se expandiram, ainda que mais lentamente.

Os negros faziam farinha, já conhecida pelos tupis brasileiros. Comiam o milho sempre cozido, em forma de papa, angu ou fervido com leite de vaca, em preparo semelhante ao atual mungunzá.

A banana foi herança africana no século XVI e tornou-se inseparável das plantações brasileiras, cercando as casas dos povoados e as ocas das malocas indígenas, e decorando a paisagem com o lento agitar de suas folhas. Nenhuma fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva, juntamente com o amendoim. A banana foi a maior contribuição africana para a alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição e consumo.

Da África vieram ainda a manga, a jaca, o arroz, a cana de açúcar. Em troca, os africanos levaram mandioca, caju, abacaxis, mamão, abacate, batatas, cajá, goiaba e araçá. O coqueiro e o leite de coco, aparentemente tão brasileiros, também vieram do continente africano, bem como o azeite de dendê. A palmeira do dendê foi cultivada ao redor da cidade de Salvador, o maior centro demográfico da época, onde a presença africana tornou-se marcante. O uso do dendê era transmitido pelos escravos e as negras que serviam nas residências dos brancos. Eles impunham o azeite de dendê como a cozinheira portuguesa impunha o uso do azeite de oliva. Quando o Rio de Janeiro se tornou capital do Brasil (1763) e a população aumentou, exigindo maior número de escravos para os serviços domésticos e plantio de açúcar, algodão e café nas regiões vizinhas, o azeite de dendê acompanhou o negro, seja nas frituras de peixe, ensopados, escabeches ou nos refogados.

As extensas plantações de açúcar, o ciclo do ouro e dos diamantes e o surto cafeeiro fizeram com que grande parte da população negra se deslocasse em direção a Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. Mas nessas regiões, a culinária africana não conseguiu se impor com a mesma força. Em parte alguma a cozinha africana conservou a cor e o sabor que se mantiveram na Bahia. A intensificação do tráfico de escravos, da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século seguinte, facilitou a ida e a vinda de várias espécies de plantas alimentares entre Brasil e África. A população negra que vivia no Brasil plantou inúmeros vegetais que logo se tornaram populares, tais como: quiabo, caruru, inhame, erva-doce, gengibre, açafrão, gergelim, amendoim africano e melancia, entre outros.

Os negros trouxeram para o país a pimenta africana, cujo nome localizava a origem, Malagueta. A malagueta apenas aumentou o prestígio das pimentas brasileiras, que também dominaram o continente africano. Quanto às carnes, o único animal africano que continua colaborando no cardápio brasileiro é a galinha-d’angola. O cardápio do escravo de uma propriedade abastada consistia em farinha de mandioca, feijão preto, toucinho, carne-seca, laranjas, bananas e canjica. Para o negro de propriedades mais humildes, a alimentação se resumia a um pouco de farinha, laranjas e bananas. Nas cidades, a venda de alguns pratos poderia melhorar a alimentação do escravo através dos recursos extras conseguidos.

Angu de milho também fazia parte da dieta do escravo em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, além da caça e pesca ocasionais. Nas fazendas do Norte, eram consumidos alguns tipos de peixe e fazia-se uma espécie de “bucha” com a carne de carneiro, como a atual buchada de bode. Às vezes os escravos comiam pirão, prato mais bem aceito, provavelmente por ser mais fácil de engolir, pois não havia tempo para comer.

O negro criou um jeito de fazer render a pouca comida que recebia: inventou o pirão escaldado chamado massapê, feito com farinha de mandioca e água fervente, acrescido de pimenta malagueta. O massapê ainda é usado em nosso meio rural. O escravo dos engenhos de açúcar se alimentava de mel com farinha. Bebia caldo de cana, cachaça, mel com água, sucos e café.


Como se Desenvolveu a Culinária Africana no Brasil

Na cidade de Salvador houve uma concentração negra mais homogênea, o que possibilitou a defesa das velhas comidas africanas, ao contrário das demais regiões. Foi ao redor das crenças, em especial do candomblé, que a cozinha africana manteve os elementos primários de sua sobrevivência.

A escravidão deixou marcas indeléveis, em sua grande maioria negativas, na trajetória socioeconômica do Brasil. No que diz respeito ao legado cultural, porém, uma das heranças mais importantes da inserção dos negros na sociedade está na gastronomia.

A influência africana na dieta do brasileiro possui dois aspectos. O primeiro diz respeito ao modo de preparar e temperar os alimentos. O segundo, à introdução de ingredientes na culinária brasileira.

A condição de escravo foi determinante para explicar como a técnica culinária dos africanos desenvolveu-se no Brasil. Tendo sido aprisionados na África e viajado em péssimas condições, os negros não traziam consigo nenhuma bagagem, muito menos ingredientes culinários.

Isso reforçou a necessidade da improvisação para alimentarem-se no novo território, que, por sua vez, tinha uma estrutura ainda pouco eficaz. A própria elite tinha de importar vários gêneros.

Nos engenhos de açúcar, para onde foram levados, as cozinhas eram entregues às negras, pois, no começo, os colonizadores vieram sem suas mulheres. Responsáveis pela alimentação dos senhores brancos e com a necessidade de suprir sua própria demanda, os negros passaram a adaptar seus hábitos culinários aos ingredientes da colônia.

Na falta do inhame, usaram a mandioca; carentes das pimentas africanas, usaram e abusaram do azeite de dendê, que já conheciam da África (as primeiras árvores vieram no começo do século XVI). Adeptos da caça, incorporaram à sua dieta os animais a que tinham acesso: tatus, lagartos, cotias, capivaras, preás e caranguejos, preparados nas senzalas.

A cozinha africana privilegia os assados em detrimento das frituras. O caldo é um item importante, proveniente do alimento assado ou simplesmente preparado com água e sal. É utilizado na mistura com a farinha obtida de diversos elementos.

No Brasil, essa prática popularizou o pirão _já conhecido pelos índios_, mistura do caldo com farinha de mandioca e o angu (caldo com farinha de milho).

O modo africano de cozinhar e temperar incorporou elementos culinários e pratos típicos portugueses e indígenas, transformando as receitas originais e dando forma à cozinha brasileira.

Da dieta portuguesa vieram, por exemplo, as galinhas e os ovos. Em princípio, eram dados apenas a negros doentes, pois acreditava-se que fossem alimentos revigorantes. Aos poucos, a galinha passou a ser incluída nas receitas afro-brasileiras que nasciam, como o vatapá e o xinxim, e que resistem até hoje, principalmente nos cardápios regionais.

Da dieta indígena, a culinária afro-brasileira incorporou, além da essencial mandioca, frutas e ervas. O prato afro-indígena brasileiro mais famoso é o caruru. Originalmente feito apenas de ervas socadas ao pilão, com o tempo ganhou outros ingredientes, como peixe e legumes cozidos.

O acarajé, hit da cozinha afro-brasileira, mistura feijão-fradinho, azeite de dendê, sal, cebola, camarões e pimenta. A popular pamonha de milho, por sua vez, origina-se de um prato africano, o acaçá.

A vinda dos africanos não significou somente a inclusão de formas de preparo e ingredientes na dieta colonial. Representou também a transformação da sua própria culinária. Muitos pratos afro-brasileiros habitam até hoje o continente africano, assim como vários pratos africanos reinventados com o uso de ingredientes do Brasil, como a mandioca, também fizeram o caminho de volta.

No que se refere aos ingredientes africanos que vieram para o Brasil durante a colonização, trazidos pelos traficantes de escravos e comerciantes, esses constituem hoje importantes elementos da cultura brasileira. Seu consumo é popular e sua imagem constitui parcela importante dos ícones do imaginário do país.

Vieram da África, entre outros, o coco, a banana, o café, a pimenta malagueta e o azeite de dendê. Sobre este, dizia Câmara Cascudo: “O azeite de dendê acompanhou o negro como o arroz ao asiático e o doce ao árabe”. No Nordeste, são também populares o inhame, o quiabo, o gengibre, o amendoim, a melancia e o jiló.

No Nordeste colonial, o açúcar era não só um item básico na dieta das famílias donas de engenhos, mas também na de escravos e brancos pobres.
A rapadura, a cachaça, a garapa e o pé-de-moleque difundiram-se no período colonial como artifícios culinários de negros e pobres para “matar” ou “enganar” a fome, complementando refeições quando, frequentemente, faltavam elementos importantes como a carne, o arroz ou o feijão.

A culinária indígena e a africana já conheciam o mel de abelhas, o que fez com que os doces com mel de engenho e melado também se difundissem durante a Colônia.

O engenho foi o espaço onde se fundiram o mel, o açúcar, as frutas tropicais e outros ingredientes locais, como a macaxeira, o cará, o inhame e a fruta-pão. Nas outras cozinhas regionais, os doces brasileiros continuaram surgindo a partir da mistura do açúcar e do mel de engenho com ingredientes de cada área.


Influência Marcante na Culinária Nordestina

Como visto, a culinária do Brasil é fruto de uma mistura de ingredientes europeus, e de outros povos, indígenas e africanos. Muitas das técnicas de preparo e ingredientes são de origem indígena, tendo sofrido adaptações por parte dos escravos e dos portugueses. Esses faziam adaptações dos seus pratos típicos substituindo os ingredientes que faltassem por correspondentes locais. A feijoada, prato típico do país, é um exemplo disso.

Os escravos trazidos ao Brasil desde fins do século XVI, somaram à culinária nacional elementos como o azeite de dendê, o açafrão e o leite de coco. Este último tem sua origem nas Índias e seria usado na costa leste da África já no século XVI, sendo trazido para o Brasil aonde é utilizado para regar peixes, mariscos, o arroz-de-coco, o mungunzá, o cuscuz e ainda diversos outras iguarias. Alias, o cuscuz era conhecido em Portugal e na África antes da chegada dos portugueses ao Brasil. Surgido no norte da África, entre os berberes ele podia ser feito de arroz, sorgo, milhetos ou farinha de trigo e consumido com frutos do mar. Com o transporte do milho da América ele passou a ser feito principalmente deste. No Brasil é por regra, consumido doce, feito com leite e leite de coco, a não ser o cuscuz paulista, consumido com ovos cozidos, cebola, alho, cheiro-verde e outros legumes.

A culinária nordestina é fortemente influenciada pela suas condições geográficas e econômicas ao longo da história, assim como pela antiga mistura das culturas portuguesa, indígena e africana, iniciada ainda no século XVI. As comidas quase sempre têm como ingredientes produtos vegetais, muitas vezes cultivados pelos índios desde muito antes da colonização portuguesa, carnes de gado bovino e caprino, peixes e frutos do mar, variando bastante de região para região, de acordo com suas características peculiares.

Pratos característicos da Região Nordeste incluem a tapioca, o vatapá, a moqueca (ambos com frutos do mar e azeite de dendê), o baião de dois (feito de arroz e feijão, com diversas variedades, geralmente incluindo também carne seca, queijo coalho, manteiga da terra ou nata), o acarajé (um bolinho de feijões brancos e cebola fritado no azeite de dendê recheado com camarões, pimenta vermelha, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como patrimônio imaterial em 2004), o mugunzá (feito de feijão e milho, sendo doce em algumas áreas e, em outras, salgado, com linguiça), caruru (quiabo e castanhas de caju, camarões, pimenta e alho), iguaria de origem indígena adaptado pelos escravos nos engenhos e servido aos orixás e o sarapatel. Os pratos tem forte influência africana.

Outras comidas tradicionais são a farofa, a paçoca, a canjica, a pamonha, a carne-de-sol, a rapadura, a buchada de bode, o queijo coalho, o sequilho, a panelada, a maria-isabel, o carneiro cozido e a galinha à cabidela.

Um bolo originário de Pernambuco, mas que posteriormente espalhou-se pelo país é o bolo de rolo, feito com farinha de trigo e recheio de goiabada. No Maranhão, desenvolveu-se o cuxá com base em uma erva africana, a vinagreira, recebe ainda o caruru e a língua-de-vaca, outra erva.

A influência africana se estende principalmente pela costa de Pernambuco à Bahia. No restante da costa e no interior, há menos influência da culinária africana. Na costa, são comuns os mariscos, e, em toda a região, as frutas tropicais. As mais conhecidas são as mangas, mamões, goiabas, laranjas, maracujás, abacaxis, fruta-do-conde e cajus (a fruta e a castanha), mas são muito consumidas também frutas menos frequentes, como o cajá, a seriguela, a cajarana, a pitomba e o buriti. O pequi é também comum em algumas partes do Nordeste, como no sul do Ceará, e é usado em comidas regionais. Diversas variedades de doce são comumente produzidas a partir dessas frutas tropicais, assim como mousses e bolos.


Cozinheiro Imperial

Primeiro livro publicado no Brasil, de que se tem notícia, Cozinheiro Imperial evidenciou em suas páginas a grande influência africana na formação da nossa culinária. Apesar das três primeiras edições terem um receituário tipicamente europeu (português e francês, principalmente), o autor em sua 5a edição, de 1866, introduz os "muitos e saborosíssimos quitutes brasileiros como sejão vatapás, carurus, angús, carís, moquecas ou moquencas de peixes,...", denotando uma nítida influência africana.

Receita de Vatapá de Porco (Cozinheiro Imperial, 1874):
Coza-se em água uma porção de carne, ou lombo de porco, e tempere-se com toicinho derretido, tomates, cebolas, salsa, alho, tudo muito bem picado, gengibre raspada, cardamomo, louro, pimenta da Índia e bastante crumari. Deixe-se cozer tudo muito bem, e deite-se lhe alguma farinha de amendoim torrado, e depois engrosse-se o caldo com farinha de mandioca fina e misture-se a tudo uma porção de azeite de dendê. Come-se com uma massa de qualquer farinha feita a parte. Por este mesmo methodo se fazem os vatapás de gallinha, peixes e mariscos, mas estes dous últimos levão azeite doce em lugar de gordura.”

Destacam-se nessa edição também as receitas de: Angú a Brasileira, Galinha com Quingombos (quiabos), Zorô, Cuscús (com farinha de trigo), Vatapá de bacalhau, Camarões com Cajus a Brasileira, Feijões Verdes com Camarões a Brasileira, Sopa de Cará, Carne de Porco com Quiabos a Brasileira, dentre inúmeras outras.


Como é a Original Culinária Africana

Se alguma vez existiu uma culinária africana, no sentido de típica de todo o continente – o que é pouco provável, devido às suas enormes dimensões, tanto geográficas como humanas – essa culinária perdeu-se ao longo da história. Os africanos, como os povos dos restantes continentes, receberam “frutos” de todo o mundo, que incorporaram na sua dieta, assim como as próprias técnicas culinárias. A alimentação cotidiana na África por volta do século XVI incluía arroz, feijão ( feijão-fradinho), milhetos, sorgo e cuscuz. A carne era em sua maior parte da caça abundante de antílopes, gazelas, búfalos, aves, hipopótamos e elefantes. Pescavam pouco, de arpão, rede e arco. Criavam gado ovino, bovino e caprino, mas a carne dos animais de criação era em geral destinada ao sacrifício e trocas; serviam como reserva monetária. Preparavam os alimentos, assando, tostando ou cozendo-o e para temperar a comida tinham apreço pelas pimentas, mas também utilizavam molhos de óleos vegetais, como o azeite de dendê que acompanhavam a maioria dos alimentos.

Se quisermos encontrar algum fator comum na alimentação dos africanos, temos primeiro que dividir o continente em duas regiões:
  • o norte da África, onde se tornou habitual o cultivo do trigo (incluindo partes do Norte, Nordeste e Leste da Etiópia e o norte do Sudão) – esta culinária é desenvolvida na culinária mediterrânica – e
  • a África subsaariana onde, em geral, não é o trigo, mas outros vegetais farináceos que constituem a base da alimentação – é desta região que iremos nos concentrar.
Ao contrário do norte da África, onde a base da alimentação é uma espécie de pão, na África subsaariana tradicionalmente é uma massa cozida em água que acompanha – ou é acompanhada – por diferentes guisados e grelhados. No entanto, o arroz e a batata aclimataram-se bem em várias regiões de África e atualmente pode dizer-se que metade das refeições têm estes vegetais como fonte de energia.

Na África austral e oriental, principalmente junto à costa, é o milho, moído em grandes pilões ou nas modernas moagens, que serve para fazer o substrato da culinária africana. Nas regiões mais afastadas da costa, é o sorgo o cereal indígena que cumpre este papel, enquanto que na África ocidental o fufu é feito com os tubérculos do inhame e doutras plantas típicas dessas paragens. A mandioca, outro visitante de outras paragens que se radicou em África, é igualmente uma das fontes de energia utilizada nas regiões mais secas.

Então uma refeição “tipicamente africana” – normalmente consumida ao fim da tarde, depois do dia de trabalho – é formada por um grande prato de arroz ou massa de um dos vegetais mencionados acima, que é normalmente dividido criteriosamente pelos membros do agregado familiar, e uma panela com um guisado ou uma salada que acompanha um peixe ou naco de carne grelhada. Em relação a este “caril” (como se chama ao acompanhamento mais ou menos proteico da refeição em Moçambique), a divisão já tem regras mais rígidas, relacionadas com a divisão de trabalho na sociedade tradicional: o chefe da família tem direito ao melhor bocado, a seguir os restantes adultos e as crianças ficam praticamente com os restos, uma vez que durante as suas brincadeiras elas sempre vão comendo frutos ou mesmo um passarito que lhes apareça à frente.

Isto refere-se evidentemente às famílias que vivem nas zonas rurais – nas cidades, apesar da maior disponibilidade e variedade de alimentos, só uma pequena parte da população tem acesso a uma alimentação melhor que no campo. A maior diferença entre a refeição do africano rural e do pobre das cidades é o conjunto dos utensílios usados para cozinhar e servir os alimentos e do combustível utilizado; e, mesmo assim, as famílias rurais que têm ou tiveram um dos seus membros a trabalhar num país diferente por contrato, têm normalmente louça de cozinha e de mesa própria das cidades.

O “caril” típico em África é um guisado de vegetais, por vezes reforçado com uma pequena quantidade de peixe ou carne seca mas, na maior parte das vezes, a proteína é essencialmente vegetal. É comum em várias regiões – embora não seja um continuum – usar amendoim pilado como base do caril; o feijão, de que existe um grande número de variedades locais, é também uma importante fonte de proteínas. Naturalmente que as famílias de pescadores e, em geral, as pessoas que vivem junto à costa têm uma maior proporção deste tipo de proteína nas suas dietas mas, pelo contrário, os agricultores, que normalmente possuem também animais domésticos, não usam com tanta frequência a sua carne na alimentação diária. A carne, mesmo de galinha, é muitas vezes a “proteína do domingo” ou de celebrações especiais (casamentos , culto dos mortos, etc.)

Esta descrição pode dar a entender que a culinária africana é pobre ou monótona, mas isso não é verdade – o que se pretendeu foi alinhar alguns traços comuns da dieta dos africanos, que não se pode considerar pouco nutritiva nem insípida. Para além dos frutos da terra que dão, por exemplo, o azeite de dendê, os africanos adaptaram e cultivam mesmo um grande número de especiarias provenientes do resto do mundo – a ilha de Zanzibar, na Tanzânia, foi durante algum tempo o maior produtor mundial de cravo da Índia, aparentemente originário da Indonésia. A África, em geral, adaptou igualmente as receitas culinárias dos povos que a visitaram ou que ali se radicaram e um bom exemplo desta mestiçagem alimentar é a feijoada à moda do Ibo.

Uma fruta muito conhecida na África meridional é a marula, uma variedade de noz comum na região. O licor de amarula produzido a partir da fruta é uma bebida africana exportada e comercializada em várias partes do mundo.


Exemplos de Pratos Brasileiros de Origem Africana

Citamos, a seguir, alguns pratos brasileiros de origem africana com os respectivos ingredientes (há variações regionais):
  • Abará ou abalá: bolo de feijão fradinho cozido com sal, pimenta, azeite de dendê e camarão seco. É enrolado em folhas de bananeira e cozido no vapor.
  • Aberém: massa de milho cozida em banho-maria, sem levar tempero. Acompanha vatapá, caruru.
  • Acarajé: massa de feijão fradinho, com condimentos. Forma uma espécie de bolinho e é frito no azeite de dendê. Serve-se com camarão, pimenta etc.
  • Bobó: massa que pode ser de feijão mulatinho, inhame, aipim etc. É cozida e temperada com azeite de dendê, camarão e condimentos. Come-se puro ou com carne ou pescado.
  • Cuscuz: massa de milho pilada, cozida e umedecida com leite de coco (o original africano era feito com arroz e com outros condimentos ao invés do leite de coco).
  • Cuxá: diz-se no Maranhão do arroz cozido, temperado com folhas de vinagreira, quiabo, gergelim torrado e farinha de mandioca.
  • Mungunzá: milho cozido com leite de vaca ou de coco.
  • Quibebe: sopa de abóbora com leite de vaca ou coco. Há variações com carne seca, toucinho, quiabo, maxixe etc.
  • Vatapá: um tipo de caldo grosso feito de pão dormido, farinha de trigo e camarões, servido com peixe, bacalhau ou galinha, acrescido de pimenta, azeite de dendê, leite de coco e condimentos.

Bibliografia

RECINE, E.; RADAELLI,P. Alimentação e Cultura. Brasília: NUT/FS/UnB – ATAN/DAB/SPS, 2001.