domingo, 18 de agosto de 2013

AULA DE GASTRONOMIA BRASILEIRA NOS MERCADOS DA LAPA E PENHA

Por Edson Gallo

A docência é uma atividade gratificante para mim. Poder compartilhar conhecimento, experiências, sejam positivas ou negativas, pontos de vista, sempre me trouxeram enorme satisfação, principalmente quando tenho oportunidade de falar sobre algo que tenho paixão, a Gastronomia Brasileira. E o melhor de tudo é que, ao longo do processo, acabamos aprendendo muito também e fazendo bons amigos. É uma relação contínua de troca, em que damos um pouco de nós, na forma de conhecimento, e recebemos carinho, brilho nos olhos e, por não, conhecimento de volta.

Nos dias 14 e 15 passados, tive a oportunidade de falar sobre Gastronomia Brasileira, nos cursos abertos dos Mercados Municipais da Lapa e Penha, respectivamente. Foi muito bom passar uma tarde agradável com os alunos do curso, falando de história, técnicas, receitas e mostrando como um prato simples da nossa culinária pode ganhar status de requinte, com uma apresentação bem cuidada.

A seguir disponibilizo algumas fotos dos eventos e o texto da apostila, com as receitas...

Bom proveito!


MERCADO DA LAPA - ANIVERSÁRIO DE 59 ANOS

  

  
  


 Galinhada

 Dueto de Escondidinho de Carne Seca
  
Cartola


MERCADO DA PENHA - QUINTA-FEIRA (15/08)

  

 Galinhada

 Dueto de Escondidinho com Carne Seca

 Cartola


TEXTO DA AULA

GALINHADA

A origem desse prato é carregada de controvérsias. Muitos estados requerem sua origem, ou têm sua própria versão de Galinhada, cada qual com suas características particulares e a introdução de ingredientes peculiares da sua região, mas em todos os casos, os ingredientes básicos são: galinha e arroz. O certo é que as primeiras galinhas chegaram ao Brasil em 1532, trazidas por Martim Afonso de Souza para a Capitania de São Vicente. Os portugueses à muito já faziam uso da galinha, bem como de seus ovos, em vários pratos da sua culinária e introduziram seu consumo no Brasil.

Com os movimentos das missões jesuítas e das entradas para o interior pelos bandeirantes, em busca de riquezas, foi-se disseminando novos hábitos, associados aos costumes indígenas, novas vilas foram se formando, no que é hoje o estado de São Paulo, e novos pratos foram surgindo dessa miscigenação.

Mais tarde, primeiro pelas mãos dos bandeirantes que desbravaram as terras e encontraram o ouro que tanto procuravam, depois pelos inúmeros tropeiros, vindos principalmente de São Paulo, na corrida pelo ouro das minas, onde hoje é o estado, não à toa, chamado de Minas Gerais.

A herança cultural e culinária paulista foi rapidamente incorporada às vilas mineiras, que foram se formando entorno da exploração dos minérios, e muitos pratos estão presentes nas duas culturas, entre eles a galinhada, tão presente no interior paulista, mas que ganha sobrenome em Minas (galinhada mineira), o mesmo ocorrendo em Goiás (galinhada goiana).

Mas a galinhada também esta presente fortemente no nordeste, segundo local em que se introduziu a criação de animais para subsistência (entre eles a galinha), devido ao grande desenvolvimento das lavouras de cana-de-açúcar e implantação dos engenhos, que sustentou por muito tempo a economia do Brasil-colônia e que favoreceu o crescimento da região. Com a notícia da descoberta das minas de ouro, muitos sertanejos nordestinos se embrenharam para o interior, em direção a região das minas, em busca do eldorado mineiro, influenciando também a cultura e costumes culinários do local.

Portanto, a galinhada é um patrimônio da cultura culinária brasileira, não importando se ela nasceu nas missões jesuítas, ou com os desbravadores bandeirantes que abriram caminhos no interior do país, ampliando as fronteiras brasileiras, ou ainda com os expedicionários tropeiros que se aventuravam por caminhos sinuosos, levando e trazendo riquezas da época, ou por último, com os sertanejos nordestinos que se embrenharam mata adentro em busca de uma vida melhor nas minas de ouro.

Enfim, o que fica dessa história toda é que um prato simples, mas extremamente saboroso, da nossa culinária, que atravessou os séculos e ganhou várias versões por todo Brasil, ainda mostra muito fôlego e ganhou notoriedade nas mãos de um dos nossos maiores nomes da gastronomia brasileira, Alex Atala. Ele fez da galinhada um evento das madrugadas de sábado no seu restaurante Dalva e Dito, nos Jardins, e um acontecimento de grande repercussão dentro do evento Virada Cultural de 2012, onde milhares de pessoas se aglomeraram no Elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, no Centro de São Paulo, em busca de uma das porções dessa iguaria.

Ingredientes

2 kg Frango à passarinho
3 xic Arroz
3 und Cebola
5 und Alho
30 g Açafrão da terra (cúrcuma)
1 lata Milho verde
2 und Caldo de galinha
2 unid Louro
½ mç Cheiro-verde (salsa e cebolinha)
¼ mç Coentro
¼ mç Tomilho
1 unid Limão
1 unid Pimenta dedo-de-moça
1 unid Pimentão Verde
1 unid Pimentão Vermelho
1 lata Milho Verde
Azeite suficiente para fritar/refogar
Sal e Pimenta do Reino à gosto

Acompanhamentos

250 g Quiabo
½ mç Couve-manteiga
60g Farinha de Mandioca ou Farinha D'água

Modo de preparar:

1. Temperar o frango com limão, sal, pimenta do reino, tomilho e 2 dentes de alho. Deixar o frango no tempero por, no mínimo, 1 hora;
2. Numa panela, colocar 2 litros de água e o caldo de galinha. Deixar ferver e baixar o fogo;
3. Numa panela grande, aquecer o azeite de oliva para dourar a cebola e o alho. Adicionar a pimenta, coentro e louro, e depois os pedaços do frango. Deixar dourar por todos os lados.
4. Feito isso, cobrir com o caldo de galinha e deixar cozinhar por uns 20 minutos;
5. Retirar 3 conchas do caldo do cozimento e reservar;
6. Juntar o arroz, o açafrão e o restante do caldo de galinha (se não for suficiente, adicionar mais água, para cobrir os ingredientes) e deixar cozinhar;
7. No meio do cozimento, acrescentar os pimentões em cubos e o milho;
8. Quando o arroz e o frango estiverem cozidos, adicionar a salsa e cebolinha e desligar o fogo;
9. Fazer um pirão com o caldo do cozimento reservado e a farinha de mandioca; Refogar o quiabo e refogar a couve-manteiga, com alho e azeite e sal;
10. Montar o prato e servir.


ESCONDIDINHO DE CARNE SECA

Escondidinho é um prato bastante popular nos estados brasileiros do Nordeste e Minas. A ideia é simples: uma deliciosa surpresa escondida dentro de um recheio. Com essa receita, o prato ficou conhecido no Brasil como “escondidinho”. Sua origem, no entanto, é um tanto quanto controversa. Alguns acreditam que a receita tenha sido criada em Pernambuco, para outros, o prato tem origem portuguesa, já que foram os lusitanos que trouxeram ao país a técnica para salga e dessalga da carne seca.

É feito originalmente com carne-seca, ou carne-de-sol, mas têm variações com outros recheios, como carne moída, frango desfiado, entre outros, temperada com manteiga de garrafa, coberto com purê de macaxeira (mandioca, ou aipim, dependo da região) e gratinada e com queijo de coalho.

Ingredientes

1kg Mandioca cozida;
500g Carne-seca;
250ml Leite integral;
100g Manteiga sem sal;
350g Requeijão cremoso;
2unid Cebola-roxa em rodelas finas;
50g Manteiga-de-garrafa;
100g Queijo-de-coalho ralado;
Sal e pimenta branca à gosto.

Modo de preparo

1. Amasse a mandioca com um espremedor de batatas e retire os talos; 
2. Junte o leite aos poucos até ter um purê firme; 
3. Finalize com a manteiga, pimenta branca e o sal. Reserve; 
4. Puxe a carne-seca com a manteiga-de-garrafa e a cebola roxa. Reserve.

Montagem e Finalização

1. Espalhe uma camada fina de purê no fundo de uma assadeira; 
2. Distribua o recheio de carne-seca uniformemente; 
3. Cubra com o requeijão e por cima o restante do purê; 
4. Finalize com o queijo-de-coalho ralado e asse a 200º até dourar.


CARTOLA

Doce brasileiro, típico de Pernambuco, tem origem nas casas-grandes dos engenhos. Pela Lei 13.751, de Abril de 2009, foi reconhecido como Patrimônio Imaterial de Pernambuco.

O cartola tem um valor simbólico e uma carga histórica muito rica. Composto de banana, açúcar, canela e queijo manteiga, traz em si uma síntese da sociedade colonial no século XVI, representando a união de raças e a dinâmica econômica desse período.
Primeiro, quase que toda mão-de-obra estava voltada para a produção do açúcar, ficando pouco recursos humanos para se dedicar a lavoura de subsistência.
Mas o principal era a falta de hábito das senhoras portuguesas com os novos ingredientes, que os trópico ofereciam, tendo elas que abdicarem de costumes alimentares fortes.
As cozinhas eram desacopladas das Casas-Grandes, em puxados construídos longe dos quartos e salas, hábitos copiados dos escravos e índios, também tiveram que aposentar os fogões e chaminés de estilo Francês, utilizando novos métodos de assar por moquém tipo de grelha confeccionada com paus.
Apesar de haver abundância de árvores frutíferas, não era de costume consumir frutas frescas, então a solução era mergulhar as frutas no açúcar, para a sua conservação.
Acredita-se que venha desse jeito de conservar as frutas que tenha surgido um dos ingredientes do cartola (a banana açucarada), as senhoras tentavam adicionar alguns elementos da sua culinária tal como a canela, para satisfazer os paladares saudosos do velho continente.
Finalmente o queijo manteiga, já conhecido dos africanos que era largamente utilizada nas cozinha coloniais, era produzido no sertão, tem alguns autores que dizem, com toda razão, que a culinária nordestina é o “encontro do sertão com o mar”.
Não se sabe precisamente, aonde o cartola foi criado e nem sua autoria, ele nos chega aos dias de hoje, com seu sabor carregado de história e se mantém intacto tal como foi concebido, sendo testemunha viva do modo vida dos que habitavam o Brasil, nos primeiros tempos da colonização portuguesa.

Ingredientes

Bananas nanicas cortadas ao meio, no sentido do comprimento;
Queijo de coalho, ou manteiga, em fatias de 1,5 cm de espessura;
Açúcar e canela em pó misturados a gosto;
Manteiga para fritar as bananas.


Modo de preparo
1. Numa frigideira frite as fatias de bananas na manteiga, deixe ficar bem douradas e molinhas; 
2. Coloque em seguida no prato em que vai servir; 
3. Derreta as fatias de queijo e ponha por cima das bananas; 
4. Polvilhe com a mistura de açúcar e canela, sirva em seguida.

sábado, 17 de agosto de 2013

TURISMO GASTRONÔMICO EM SILVEIRAS - RESTAURANTE DO OCÍLIO

Por Edson Gallo

Que a Gastronomia é um componente importante da cultura de qualquer povo, participando da sua identidade, isso ninguém pode negar. Mas ainda há muito a fazer quando inserimos a Gastronomia como produto turístico.

A atração turística cultural já é reconhecida pela Organização Mundial do Turismo, quando distingue os recursos como meios humanos, energéticos e materiais que uma coletividade dispõe, ou pode dispor. Tais recursos (incluindo a Gastronomia) são considerados recursos turísticos a partir do momento em que são capazes de atrair turistas tornando possível a atividade turística. Assim sendo, o Turismo Gastronômico, entra como mais um produto, ou ainda, como um diferencial na oferta turística de um destino.

É muito comum na Europa viajar quilômetros para ir a um bom restaurante, ou ainda, visitar algum destino turístico para apreciar suas iguarias típicas. Este é o caso, por exemplo, do El Bulli, localizado em Roses, na Costa Brava espanhola, à 150 quilômetros de Barcelona, famoso restaurante de Ferran Adriá, eleito por cinco vezes o melhor do mundo, mas que encerrou suas atividades em 2011 e se transformou numa fundação, atraía inúmeras pessoas de vários cantos da Espanha e até do mundo, que viajavam para apreciar a arte do chef catalão. Este é só um exemplo de inúmeros outros que existem pela Europa e que fazem sucesso, porque o povo de lá viaja atrás de boa comida e bom vinho.

Já no Brasil, o Turismo Gastronômico é insipiente, mas tem potencial. É certo também que temos nossas dificuldades: nosso povo não é muito adepto a viajar quilômetros somente para ir à um restaurante, também não se sente muito encorajado de fazer isso pelo custo-Brasil, isto é, combustível caro, cobranças excessivas de pedágios em algumas estradas e péssimas condições em outras, sem dizer do tamanho continental de nosso país. Tudo isso não colabora muito e torna a experiência, no mínimo, muito cansativa. Mas muito se pode fazer e torna o Turismo Gastronômico numa alternativa interessante para algumas regiões, inserindo-as como destinos turísticos, gerando empregos e renda para essas regiões. O exemplo a seguir mostra que isso é possível de ser alcançado.





No domingo, dia 04, eu, o Adonay Donley e Peter Takagi, todos do QUARTETO Gastronomia Brasileira (só faltou o Gustavo Oliver, que não pode ir porque estava trabalhando no Esquina Mocotó) e nossa amiga Cris Bravim, estivemos no Restaurante do Seu Ocílio Ferraz (http://www.restaurante.ocilioferraz.com), em Silveiras, interior de São Paulo (pouco mais de 200 quilômetros da capital), cidade de grande valor histórico, encostada na Serra da Bocaina, que nasceu, ganhou fama e importância em torno dos tropeiros, que a incluíram na trilha do ouro para Minas Gerais. Silveiras também foi palco de batalhas sangrentas em duas revoluções: Liberal de 1842 e Constitucionalista de 1932.






Seu Ocílio Ferraz (http://www.blog.ocilioferraz.com), além de grande anfitrião, é sociólogo, professor, culinarista, escritor, pesquisador, empreendedor e membro da Academia Brasileira de Gastronomia, simplesmente uma figura de muitas facetas. Ele tem importância fundamental para a cidade, através dos seus trabalhos de pesquisa, sua obra literária (com uma coleção na Biblioteca do Congresso Norte Americano), seu esforço na divulgação da cultura e culinária tropeira e de uma iguaria singular da região, a Iça (formiga tanajura, fêmea da saúva,) muito utilizada na alimentação pelos índios, que ali habitaram, e depois passado aos bandeirantes e tropeiros, virou ingrediente típico da Comida Caipira e Tropeira, referenciada por escritores como Monteiro Lobato e Maurício de Sousa, e utilizada por chefs importantes da Gastronomia Brasileira, como a Chef Mara Sales (Tordesilhas) e o próprio Ocílio Ferraz, em seu restaurante. Aliás, seu restaurante serve uma comida típica tropeira maravilhosa, onde a famosa Farofa de Iça é apenas uma das delícias servidas no local.





O local ainda conta com uma Cozinha Pedagógica, onde pode-se aprender a Culinária Tropeira e Regional, uma Biblioteca, onde funciona o núcleo de pesquisas acadêmicas, um Espaço Cultural “Rancho do Ventura”, que funciona como sala de aula, onde tem as Ocas, além de uma bela horta, de onde se colhe os legumes e verduras utilizados no restaurante.





Vejam que, embora tivéssemos tido todos aqueles inconvenientes citados anteriormente (combustível, pedágios, estradas, cansaço, etc.), foi uma experiência maravilhosa de conhecimento, boa comida, bom clima, boa prosa, boa música, tudo num único lugar, o restaurante, sem que tivéssemos visitado as outras atrações turísticas da cidade (isso fica para uma próxima oportunidade).

Este comportamento do Seu Ocílio, de divulgação da cultura da região, da sua história, dos seus atrativos, apoiado pela comunidade, trás benefícios não só para ele, mas para a cidade como um todo, além de nos presentear com uma comida saborosa de raiz, feita em fogão de lenha.

A missão do QUARTETO Gastronomia Brasileira é essa, de pesquisa e divulgação da nossa culinária regional brasileira, seja através de nossas publicações, ou dos nossos eventos, inserida em nossos cardápios, nos trabalhos de pesquisa, nas aulas e palestras, enfim, em tudo que se possa expressar esse orgulho da nossa terra.